sexta-feira, 22 de junho de 2018

Conto

Dia 22 de junho de 2005

Há alguns momentos na vida que são importantes. Nós nunca saberemos ao certo quais serão esses momentos, sabemos apenas, quando lhes damos a devida importância antes de acontecerem. Nesse tempo, nossas mãos tremem e o corpo sua, é horrível. Pode ser uma entrevista de emprego ou o resultado de uma prova, mas infelizmente os momentos mais importantes são aqueles inesperados, aqueles nos quais seus olhos se arregalam com a surpresa e suas mãos tremem da mesma maneira, mas dessa vez não é de ansiedade e sim de desespero.
Você tenta manter a calma e evitar lágrimas nos olhos, é engraçado, pois sempre tentamos evitar esse sentimento de angústia, "respire fundo, vai ficar tudo bem" eles dizem. Mas você sabe que não vai.
De fato, os maiores acontecimentos da minha vida foram aos 14 anos. Quando meu cachorro, que havia sido adotado naquela mesma tarde, morreu. Ainda me lembro do sentimento de culpa que senti, quando vi vários de seus órgãos espalhados por baixo do pneu e segundos depois por toda estrada. O filho da puta nem sequer olhou para trás para saber do que se tratava aquele "obstáculo" no meio da pista.
Sem pensar duas vezes, peguei o corpo dele e trouxe para meu porão. Ele estava estraçalhado, eu tinha que consertar aquilo. Eu tinha que consertar.
Eu tenho que consertar isso!!
Peguei a enorme lista telefônica e liguei para um cara que empalhava animais no bairro, ele me propôs fazer o trabalho sozinho, mas seria injusto com ele. Pedi ao homem que me ensinasse, eu queria fazer aquilo.
Com as mãos ainda trêmulas comecei o processo. Naquele momento,  não sentia mais nada,  nem pena, nem tristeza, nem felicidade, nada. Minhas mãos se moviam e eu sentia sua pele macia com meu tato, mas como uma porta trancada na qual nenhum facho de ar poderia passar, minha mente e as memórias nas quais provavelmente me fariam desmoronar ali mesmo, estavam todas trancadas.
Eu apenas continuava indo, continuava me movendo, continuava respirando, mas naquele momento eu não tinha vida. De fato, esse poderá ser um momento importante um dia, de que isso importa afinal? Momentos e mais momentos... importantes ou não, a vida apenas continua seguindo.
Continuei o processo para empalhar seu corpo. Confesso que ao ver parece cruel, religiosos diriam que é um dos mais cruéis dos pecados,  afinal, todos nós somos pecadores.  Eu já havia colocado seu corpo em estado de congelamento no dia anterior, foram as 24 horas de maior angústia da minha vida, mal conseguia respirar. Com muito cuidado, fiz um corte em sua barriga para remover a pele, não citarei detalhes, essa não é minha intenção. 5 horas depois finalizei, sorri aliviado, valeu a pena todo o esforço. Coloquei o corpo em seu devido lugar, foi gratificante.
Coloquei a xícara na mão dela e arrumei seus cabelos. Geralmente nessas horas eu pensaria no quão cruel e extraordinária é a vida, mas daquela vez era diferente, só consegui pensar no quão horrível é a morte. Nos tirar algo que amamos tanto, tornando em poucos segundos apenas carne podre e sem vida.
Porém, ela estava viva novamente, esse é o lado bom da morte. Conforme o tempo passou, descobri o poder na morte, eu poderia ter eles comigo pra sempre, e nunca teria um fim. Mesmo que vindo de um momento de desespero, descobri uma das coisas mais fascinantes do mundo, o controle sobre alguém.
Anos já se passaram e ela continua aqui comigo, não, não estou falando do meu cachorro mais, parei de falar dele no terceiro parágrafo.

-Boa noite mamãe.
Emily Domingues  - 9ºA

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